A Câmara Municipal do Recife avançou na implementação de novos instrumentos urbanísticos voltados à reabilitação do centro da cidade. Foram aprovados o Projeto de Lei nº 30/2025, que institui a Desapropriação por Hasta Pública — modalidade de desapropriação realizada por meio de leilão judicial —, e o Projeto de Lei nº 31/2025, que altera a legislação do Programa Recentro. As propostas, de iniciativa do Executivo, já foram sancionadas pelo prefeito João Campos e passam a integrar o conjunto de políticas públicas para ocupação e dinamização da área central da capital pernambucana.
A Desapropriação por Hasta Pública permite que o município desaproprie imóveis urbanos abandonados, inacabados ou em ruínas e os leve a leilão, com a obrigação de que o novo proprietário recupere o bem e assegure o cumprimento da função social da propriedade, preferencialmente com uso habitacional. O instrumento é aplicado após a adoção de medidas como o IPTU progressivo e busca reduzir a morosidade e os custos da desapropriação-sanção tradicional.
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Já as mudanças no Programa Recentro ampliam incentivos para estimular a recuperação de imóveis no centro histórico do Recife, com foco na moradia, na atividade econômica e na preservação do patrimônio cultural. A proposta está alinhada ao Estatuto da Cidade e parte do diagnóstico de que grande parte dos imóveis da região central encontra-se subutilizada ou degradada.
João Pessoa aposta em incentivos e inovação urbana
O avanço do modelo recifense ocorre em um momento em que outras capitais nordestinas também estruturam políticas específicas para seus centros históricos, ainda que com estratégias distintas. Em João Pessoa, a Prefeitura tem adotado uma abordagem baseada em incentivos fiscais, gestão integrada e inovação urbana, sem recorrer, até o momento, ao instrumento da desapropriação por hasta pública.
De acordo com o secretário de Preservação, Revitalização e Inovação do Centro Histórico de João Pessoa (Inovacentro), Thiago Lucena, o esvaziamento das áreas centrais é um fenômeno comum às cidades brasileiras, resultado de transformações urbanas, econômicas e sociais acumuladas ao longo dos anos. No entanto, ele destaca que o enfrentamento do abandono de imóveis privados exige responsabilidade jurídica, planejamento e construção de consensos.

“João Pessoa não é diferente de outros centros urbanos que estão sofrendo com o esvaziamento das áreas históricas. Diversos fatores levaram a esse cenário, mas, quando se trata do abandono de imóveis privados, isso precisa ser tratado de forma muito responsável, porque envolve direito de propriedade, função social e impacto direto na vida urbana”, afirma.
O secretário ressalta que, antes de discutir medidas coercitivas, a Prefeitura concentrou esforços na criação de um ambiente favorável à reocupação do Centro Histórico, por meio de incentivos inéditos. Segundo ele, nunca houve, na história recente da capital paraibana, um pacote tão amplo de estímulos fiscais e institucionais voltados exclusivamente para essa área da cidade.
“A Prefeitura de João Pessoa está fazendo a sua parte, em conjunto com o Governo do Estado. Nunca se viu, na história da cidade, a quantidade de incentivos fiscais que estão sendo aplicados hoje no Centro Histórico. Estamos falando de isenção de IPTU, isenção de ITBI, redução do ISS para 2%, que é o mínimo permitido em lei, além da isenção do ITCD por parte do Governo do Estado e do fortalecimento do programa de ICMS Cultural Patrimonial”, detalha.
Além dos incentivos fiscais, o secretário explica que o município avança na regulamentação de novos instrumentos urbanísticos capazes de gerar viabilidade econômica para imóveis tombados ou localizados em áreas de preservação. Um dos principais é a transferência do potencial construtivo, mecanismo que permite a venda do direito de construir que não pode ser exercido no imóvel de origem.
“Estamos prestes a publicar um decreto regulamentando a transferência do potencial construtivo, que é uma ferramenta jurídica muito importante. Ela vai permitir que proprietários de imóveis históricos, tanto os tombados individualmente quanto os localizados em áreas de tombamento, possam vender o seu potencial construtivo, ou seja, os metros quadrados que poderiam ser construídos, mas que hoje não podem por restrições legais”, explica.
De acordo com Thiago Lucena, esse potencial poderá ser utilizado por construtores em outros bairros da cidade, mediante pagamento de outorga onerosa ao município. “A Prefeitura vai autorizar que esse potencial seja transferido para outras áreas, onde a verticalização é permitida. Isso já acontece em cidades como o Rio de Janeiro e cria uma transação comercial validada pelo poder público, gerando recursos para imóveis que hoje não têm viabilidade econômica”, afirma.
Ele destaca que o instrumento também impõe responsabilidades aos proprietários beneficiados. “Além de gerar receita, a transferência do potencial construtivo vem acompanhada de obrigações. Ao receber esses recursos, o proprietário assume o compromisso de manter e recuperar o imóvel. Caso isso não ocorra, haverá sanções. É uma forma de garantir que o incentivo resulte, de fato, em preservação e revitalização”, acrescenta.
Desapropriação por hasta pública está em análise
Sobre o instrumento da desapropriação por hasta pública, recentemente adotado pelo Recife, Thiago Lucena afirma que o tema já está sendo estudado pela gestão municipal de João Pessoa, mas ressalta que sua eventual aplicação precisa ser criteriosa.
“A desapropriação por hasta pública é um instrumento interessante e está sendo estudado pela Procuradoria do Município. No entanto, é uma ferramenta que precisa ser utilizada com muita responsabilidade. A ideia é que ela seja aplicada apenas no caso certo, no momento certo, após esgotadas outras possibilidades”, pondera.
O secretário destaca que, diante do volume de incentivos e políticas públicas já implementadas, a Prefeitura também avança na responsabilização de imóveis privados que permanecem abandonados e causam prejuízos à coletividade. Esse processo, segundo ele, envolve uma atuação integrada com a Secretaria de Planejamento e o Ministério Público da Paraíba.
“Estamos sendo provocados pelo Ministério Público e isso é importante ressaltar. Imóveis privados abandonados geram consequências negativas para a cidade e para a população. Por isso, estamos trabalhando de forma conjunta para chamar a responsabilidade desses proprietários. Ninguém quer imóveis abandonados no Centro Histórico”, afirma.
Para ele, o atual momento é decisivo para a transformação do centro da capital paraibana. “Esse é o melhor momento para agir. Hoje existem incentivos fiscais, instrumentos jurídicos, políticas públicas estruturadas e uma gestão integrada olhando para o Centro Histórico. A partir disso, é possível avançar tanto na preservação quanto na reocupação econômica e social dessa área tão importante da cidade”, conclui.
Enquanto o Recife adota instrumentos mais coercitivos para induzir o cumprimento da função social da propriedade, João Pessoa segue priorizando estímulos econômicos, inovação jurídica e planejamento urbano orientado por dados. Apesar das diferenças, os dois modelos convergem no objetivo comum de reverter o esvaziamento dos centros históricos e promover a reocupação habitacional, econômica e cultural dessas áreas.







