A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou mais uma vez a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que concede autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central. Na semana passada, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), afirmou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava preocupado com o modelo jurídico proposto no projeto, que transformaria o BC de autarquia em empresa pública. Segundo Jaques, há receio de impacto primário caso a autoridade monetária registre prejuízo.
Após uma semana, contudo, não se chegou a um acordo. O governo enviou uma proposta que mantinha o BC como autarquia, mas não teve aval do autor da PEC, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), e do relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM). O Senado entra em recesso a partir da semana que vem e retorna na primeira semana de agosto. Segundo Valério, a proposta do governo chegou apenas nesta quarta-feira.
— As reivindicações são muitas do governo, algumas pertinentes, outras não. Não posso acatar ou não acatar.
Jaques Wagner disse que o texto proposto pelo governo tenta aproximar, mas “evidentemente” não está completo.
— Não vou abrir mão da minha obsessão para encontrar o máximo de consenso possível. Estou pedindo mais uma vez que a gente adie a votação para o início de agosto.
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), destacou que a PEC vai precisar de 69 votos no Senado para ser aprovada e ainda terá de passar pela Câmara. Por isso, é importante tentar encontrar o “caminho do centro” no tema.
— Se nós ficarmos com intransigência ou de um lado ou de outro, acaba não alcançando o cerne da proposta, que é institucional.
Proposta do governo
Pela proposta do governo obtida pelo GLOBO, o BC continuaria a ser uma autarquia de natureza especial sem subordinação a ministérios, mas poderia incluir no orçamento de Autoridade Monetária, já separado do Orçamento Geral da União, despesas de pessoal, investimento, funcionamento, meio circulante e custeio do Proagro, seguindo diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Isso dependeria de regulamentação em lei complementar de iniciativa privativa do Poder Executivo. Gastos com pessoal e Proagro teriam um limite definido. O orçamento da autoridade monetária atualmente é usado apenas para a execução das políticas monetária e cambial, sem prever gastos com os servidores, por exemplo.
A minuta enviada pelo governo também prevê que as despesas do BC seria custeadas com suas receitas próprias, inclusive as rendas de seus ativos financeiros. O texto deixa claro que as despesas constantes do orçamento da autoridade monetária não afetariam a meta de resultado primário nem contariam para o cálculo de despesas primárias.
Há ainda autorização para contratar funcionário sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim como já funciona atualmente, o orçamento seria aprovado pelo CMN, mas passaria também a ser validado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Valério, contudo, é contrário à manutenção do BC como autarquia, porque, segundo auxiliares, derruba o cerne da PEC, que é a autonomia orçamentária e financeira da instituição. A avaliação é que o formato de autarquia concederia independência orçamentária “maquiada”, porque o orçamento teria de passar por quatro barreiras antes de ser liberado, com decisão final do governo.
Segundo Wagner informou na semana passada, Haddad disse que não é contrário à autonomia financeira e orçamentária do BC, mas com a “forma de alcançá-la” devido a riscos para a situação fiscal do país. Ao virar estatal, Wagner destacou que o aporte do Tesouro Nacional para cobrir eventuais prejuízos do BC na gestão das reservas internacionais teria impacto primário, ao contrário do que ocorre atualmente, em que a despesa é financeira.
Em 2023, o BC teve prejuízo de R$ 114,2 bilhões, totalmente devido ao resultado de reservas e derivativos cambiais, que foi negativo em R$ 123 bilhões. Conforme as regras, que envolvem hoje redução do patrimônio do BC para abater parte do resultado negativo, o Tesouro terá de repassar no ano que vem para a autoridade monetária R$ 111,2 bilhões. Este ano, o Tesouro vai transferir R$ 36,5 bilhões ao BC relativos ao prejuízo de 2022.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já disse que o ambiente de “divisões e divergências” entre o governo federal e autoridade monetária exige cautela e um debate mais aprofundado sobre o tema.
Proposta atual
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no formato atual traz três principais alterações: a natureza do BC que passaria ser empresa pública; o regime dos servidores e a gestão o orçamento.
Desde 2021, o BC tem autonomia operacional, ou seja, não está vinculado ao Ministério da Fazenda, mas ainda depende dos recursos do Tesouro Nacional. A proposta insere na Constituição um dispositivo que assegura ao BC autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira. Isso significa que a instituição terá autonomia orçamentária e poderá aprovar e executar seus recursos de forma independente do governo, embora tenha ainda de prestar contas ao Congresso Nacional.
A PEC também estabelece uma mudança no regime dos servidores que deixariam de ser regidos pelas normas do regime jurídico único (RJU) para serem empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas garante a estabilidade. Jaques Wagner destacou que esse formato é “exótico”.
O texto foi protocolado no Senado em novembro do ano passado, sob autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). O texto ganhou apoio quase imediato da cúpula do Banco Central que pede reajustes salariais e uma disponibilidade maior de orçamento para a autarquia.
Na avaliação do BC, a autonomia orçamentária e financeira estão alinhadas com as melhores práticas de governança de bancos centrais, assim como com a experiência de bancos centrais de referência no cenário global.
Na experiência internacional, cerca de 90% dos BCs com autonomia operacional, também têm independência orçamentária e financeira. Além disso, o projeto endereça a limitação orçamentária que tem afetado as atividades da autoridade monetária, na visão do BC.
Para projetos, como o Pix e o Drex, há queda no orçamento desde 2018, de R$ 163,3 bilhões para R$ 12,1 bilhões em 2023, um corte de 92,6%, o que provoca atrasos na agenda de inovação.