Diário de viagem dia 1.3 – Penetrando as entranhas do Curimataú

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Serra da Caxexa, Casserengue - PB
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Sexta-feira, 18h00 – Fazenda Santo Antônio – Casserengue – Curimataú

Você, que tem me acompanhado nesse relato, deve estar pensando: “esse dia não acaba, não?”. Eu também pensava nisso ao percorrer mais uma hora numa estrada de terra em busca do pôr do sol na Fazenda Santo Antônio, no alto da Serra da Caxexa, no município de Casserengue. O atraso provocado pelas condições precárias do caminho nos colocou numa “corrida” contra o relógio. O sol se pondo e nosso destino não chegava. Até que, nos últimos raios, desembarcamos na propriedade no alto da montanha. Esperando por nós, uma caminhonete que nos levaria até o mirante.

Nesse momento, confesso, bateu o cansaço e deixei os mais jovens correr em busca da última luz daquele longo dia. Fui acolhida com um café quentinho por dona Anadir, mãe de cinco filhos – quatro homens – e avó de oito netos, que, até há bem pouco tempo, morava ali. Na parede da sala, fotos da família e diplomas do filho e do marido, eleitos vereadores pela cidade. “Meu marido já deixou a política e o meu filho não vai concorrer este ano”, relata, sem revelar o motivo da desistência.

O vento forte e gelado me faz pedir abrigo no interior da casa que hoje funciona como uma espécie de salão de festas. “A gente aluga o espaço para aniversários e até casamentos”, conta Anadir. Em meio à boa conversa, o grupo retorna, encantando com o que viram e com a recepção. No alto da montanha, eles apreciaram a paisagem e um caprichado piquenique montado pelos anfitriões. Luz do sol? As úlitmas…

Trilheiro no piquenique do pôr do sol da Serra da Caxexa

De volta ao caminho de terra, a próxima parada era o fim da linha daquele dia. Mas, não da aventura e das descobertas. O local, conhecido como Rancho da Serra, tem a proposta de promover trilhas, rapel, caminhadas e hospedar os aventureiros em  acampamentos. Isso mesmo! Uma barraca de camping seria o nosso abrigo na nossa primeira noite. Confesso – pela segunda vez nesse relato – que a única vez que acampei na vida foi na juventude, lá pelos idos de 1970/1980.

Não dá para dizer que foi uma noite confortável, até porque foi aí que descobri a origem do nome Casserenge. Segundo nossos anfitriões, antes mesmo da fundação da cidade, viajantes que pernoitavam no local notavam que, apesar do clima seco, as árvores ficam úmidas pelo sereno da noite. Eles comentavam que “chove pouco, mas cai sereno” e, com o tempo, “cai sereno” tornou-se a corruptela “Casserengue”.

O contato com o chão úmido e temperatura bem baixa – em torno de 15 graus – foi meu primeiro, mas não único, desafio nessa parada. A segunda batalha veio com o banho noturno e frio. Para esquentar, uma boa fogueira e uma música de qualidade executada ao vivo num luau belíssimo. Um “esquenta” literal para a terceira batalha: a subida da Serra da Caxexa marcada para o dia seguinte.

Luau no acampamento Rancho de Serra

Serra da Caxexa

Devidamente alimentados e aquecidos pelo sol, partimos para subir a Serra da Caxexa, um conjunto de montanhas que se estende por mais de 600 hectares e, no cume, atinge 630 m de altitude acima do nível do mar.  Emergindo em meio à paisagem árida, a Serra apresenta uma rica diversidade de vegetação nativa do Bioma Caatinga, além de uma fauna e flora variadas. O local é adornado por riachos, tanques de pedra naturais, penhascos imponentes e paredões com mais de 70 metros de altura, além de abrigar sítios arqueológicos.

O caminho é íngreme, alternando piso de pedra e mata fechada. A todo instante, alguém alerta para o risco das urtigas, planta-terror dos trilheiros por queimar quem nela encosta, deixando a região irritada e ardida. Em vários momentos, o auxílio dos condutores e guias é necessário para evitar acidentes. E eles estão sempre ali. Conhecedores desse ambiente, alertam não só para os riscos como também sinalizam as belezas.

Aí vai a minha última confissão desse relato: não tenho muita afinidade com altura. E, ao perceber até onde tinha ido, o medo correu forte nas veias. De novo, os rapazes que nos conduziam me acudiram e, sempre solícitos, delicados e atentos, me ajudaram a vencer o medo com o auxílio de mãos fortes, ombros dispostos e um cajado improvisado. Um deles – muito bem intencionado – chegou a cantar “Paraíba Joia Rara” na vã tentativa de me acalmar. Recuperada, alcanço o alto e a recompensa está lá. As pedras gêmeas, a pedra do Oratório, as inscrições rupestres e a vista deslumbrante.

A descida, apesar de longa, é menos atribulada. Pelo caminho, conheço diversas espécies de cactos – sempre eles – a árvore barriguda, que espertamente armazena água no tronco para os períodos mais difíceis, e a baga da macunã, mais conhecida como semente olho-de-boi e que só tinha visto em artesanatos indígenas. As marcas da aridez do clima também estão lá e se apresentam na forma de leitos secos de rios e de carcaças de animais desgarrados. Foram quase quatro horas de caminhada pela Caatinga, bioma árido sim, mas cheio de cores, cheiros e vida!

 Nota: A repórter viajou a convite da PBTur e do Sebrae.

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