O tênis e o mundo corporativo

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No último domingo, a Universidade de Dartmouth, em New Hampshire, nos Estados Unidos, foi palco de um evento que transcendeu o esporte. Roger Federer, um dos maiores tenistas de todos os tempos, recebeu o título de doutor em Humanidades, uma honraria em reconhecimento ao seu impacto humanitário ao longo de duas décadas. Com toda sua elegância, fez um discurso de arrepiar e, por isso mesmo, rapidamente viralizou. 

Com muita leveza e elegância também, claro, o multicampeão de 20 títulos de Grand Slam, oito só em Wimbledon, de certa forma desconstrói o senso comum de conceitos como conquista, esforço e talento, para citar os que mais me chamaram a atenção. 

Imagino que as mensagens tenham sido especialmente poderosas para o público jovem que o assistia na universidade, mas cabem em qualquer ambiente, sobretudo onde o sucesso é frequentemente medido por métricas e resultados tangíveis, ou seja, no mundo corporativo. Sua fala entremeada por tímidos sorrisos, típico da discrição de um suiço, ressoou como um eco de sabedoria que pouco se ouve de executivos de alta performance. Mas ouvimos de um atleta de alta performance. 

Leia a íntegra do discurso abaixo ou, se preferir, assista ao vídeo neste link

Íntegra do discurso de Roger Federer

Conquista sem esforço é um mito. Eu digo isso como alguém que já ouviu muito essas palavras. Sem esforço. As pessoas diriam que meu jogo é fácil. Na maioria das vezes, eles queriam dizer isso como um elogio, mas costumava me frustrar quando diziam: “ele mal suou” ou “ele está ao menos tentando?” 

A verdade é que tive que trabalhar muito para fazer com que parecesse fácil. Passei anos choramingando, xingando, jogando minhas raquetes antes de aprender a manter a calma. 

Espero que, assim como eu, você aprenda que a facilidade é um mito. Não cheguei aonde consegui apenas com talento. Cheguei aqui tentando superar meus oponentes. Eu acreditei em mim mesmo, mas a crença em si mesmo tem de ser conquistada.  

Sim, o talento é muito importante. Mas o talento tem uma definição ampla. Na maioria das vezes, não se trata de ter um dom, mas de ter coragem, garra. No tênis, um ótimo forehand com uma velocidade incrível pode ser chamado de talento. No tênis como na vida, a disciplina também é um talento, assim como a paciência. Confiar em si mesmo é um talento, abraçar o processo, amar o processo é um talento. Gerenciando sua vida, gerenciando a si mesmo, esses também podem ser talentos. Algumas pessoas nascem com eles. Todo mundo tem que trabalhar neles.  

De hoje em diante, algumas pessoas vão presumir que, por você se formar em Dartmouth, tudo será fácil para você. E sabe de uma coisa? Deixe-os acreditar nisso, desde que você não acredite.  

Segunda lição: é apenas um ponto, deixe-me explicar. Você pode trabalhar mais do que imaginou ser possível, e ainda assim perder. Eu já fiz isso muitas vezes. O tênis é brutal. Não há como negar o fato de que todos os torneios terminam da mesma maneira. Um jogador ganha um troféu, todos os outros jogadores voltam para o avião, olhando pela janela, e pensam: como eu perdi aquela tacada? No tênis, a perfeição é impossível. Das 1.526 partidas de simples que disputei em minha carreira ganhei quase 80% dessas partidas. Agora tenho uma pergunta para você. Que porcentagem de pontos você acha que ganhei nessas partidas? Apenas 54%. Em outras palavras, mesmo os melhores tenistas ganham pouco mais da metade dos pontos que jogam. 

Quando você perde cada segundo ponto, em média, você aprende a não pensar em cada lance. Você aprende a pensar: “ok, cometi uma dupla falta, é apenas um ponto.”  “Ok, cheguei à rede e fui ultrapassado de novo, é só um ponto.” É mesmo um grande golpe, um smash de backhand acima da cabeça que acaba no top 10 da lista de reprodução da ESPN, isso também é apenas um ponto. Então, é por isso que estou lhes contando isso. Quando você está jogando um ponto tem que ser a coisa mais importante do mundo, e é, mas passar, passou. Essa mentalidade é crucial porque libera você para se comprometer totalmente com o próximo ponto e com o próximo de novo, com intensidade, clareza e foco.  

A verdade é que, seja qual for o jogo que você jogue na vida, às vezes você vai perder pontos, uma partida, uma temporada, um emprego. É uma montanha-russa com muitos altos e baixos, e é natural que quando você está deprimido, duvide de si mesmo e sinta pena de si mesmo. E, a propósito, seus oponentes também têm dúvidas. Nunca se esqueça disso.  

Energias negativas é energia desperdiçada. Você quer se tornar um mestre na superação de momentos difíceis. Isso é, para mim, sinal de campeão. Os melhores do mundo não são melhores porque ganham todos os pontos. É porque sabem que vão perder muitas vezes e de novo e de novo, e aprenderam a lidar com isso. Você aceita, chora se precisar e, então, força um sorriso. Você segue em frente. É implacável. Adapte-se e cresça. Trabalhe mais, trabalhe de maneira inteligente. Lembre-se: trabalhe de  maneira inteligente.

Filantropia pode significar muitas coisas. Pode significar iniciar uma organização sem fins lucrativos ou doar dinheiro, mas também pode significar contribuir com suas ideias, seu tempo e sua energia para uma missão que é maior do que você. Todos temos muito a dar e espero que encontrem suas próprias maneiras únicas de fazer a diferença, porque a vida realmente é maior que a quadra.  Tênis, assim como a vida, é um esporte coletivo. Sim, você está sozinho do seu lado da rede, mas o seu sucesso depende da sua equipe, dos seus treinadores, dos seus companheiros de equipe e até mesmo dos rivais. Todas essas influências ajudam você a se tornar quem você é.

Vanessa Laini
Vanessa Laini é jornalista formada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Com vasta experiência em diversas áreas da comunicação, liderou equipes em agências de publicidade e comunicação, demonstrando habilidade no planejamento e execução de estratégias.