Morre Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, aos 96 anos

Ministro da Fazenda na ditadura, economista continuou influenciando governos após o fim do regime

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Delfim Netto deixou uma filha e um neto (Foto: Reprodução)

O ex-ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, morreu nesta segunda-feira, aos 96 anos. Formado pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Delfim Netto fez doutorado com uma tese sobre café, tornando-se catedrático de Economia Brasileira na mesma escola em 1958. Contudo, a vida acadêmica perderia espaço para funções na administração pública nos anos seguintes.

Ainda estudante, trabalhou no Departamento de Estradas de Rodagens do governo paulista. Entre junho de 1966 e janeiro de 1967, foi secretário de Fazenda no governo de transição de Laudo Natel, que substituiu o titular, Adhemar de Barros, cassado pelo regime militar.

Em seguida, integrou o grupo de Planejamento do governo Carvalho Pinto. No mesmo ano, aos 39 anos, tornaria-se ministro da Fazenda a convite do marechal Arthur da Costa e Silva, posto em que permaneceria ainda durante a presidência do general Emílio Garrastazu Médici.

Foi sob seu comando à frente da Fazenda que o país viveria um ciclo de forte expansão da economia, que ficaria conhecido como “milagre econômico”.

Avanço econômico que realmente aconteceu, mas a um alto preço para o país. Em 13 de dezembro de 1968, Delfim Netto participaria no Palácio das Laranjeiras, no Rio, da reunião do Conselho de Segurança Nacional, convocada por Costa e Silva, na qual seria aprovado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suprimiu os direitos constitucionais, ampliou a repressão e “legalizou” a ditadura militar no país.

De acordo com o livro “A ditadura Envergonhada” (Companhia das Letras), do jornalista Elio Gaspari, naquela reunião o jovem ministro da Fazenda, então com 40 anos, “pisou no acelerador”. “Queria que a concentração de poderes pedida por Costa e Silva desse ao governo mão livre para legislar sobre matéria econômica e tributária”, descreve Gaspari no capítulo intitulado “A Missa Negra”, em que narra detalhes da reunião que sacramentou o AI-5 . Depois de afirmar aos presentes que estava “plenamente de acordo com a proposição que” estava em análise, ele acrescentaria dirigindo-se a Costa e Silva: “Eu acredito que deveríamos atentar e deveríamos dar a Vossa Excelência a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais que são absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez”.

No que foi de certa forma atendido, pois nos quatro anos seguintes foi quando ocorreu o “milagre econômico” — sob a presidência de Médici e a batuta de Delfim, o Produto Interno Bruto(PIB) experimentou taxas de expansão entre 9% e 14% ao ano; houve avanços na infraestrutura do país; o emprego aumentou puxado pelos investimentos estatais em obras e na indústria, que se desenvolveu em setores como siderurgia, geração de energia e petroquímica.

Depois de servir como embaixador do Brasil em Paris no governo do general Ernesto Geisel, Delfim Netto voltaria ao primeiro escalão do Executivo na administração de João Batista Figueiredo (1979 a 1985). Inicialmente à frente do Ministério da Agricultura (de março a agosto de 1979). Com o pedido de demissão de Mario Henrique Simonsen (que fora seu sucessor na Fazenda, no governo Geisel), assumiu a pasta do Planejamento, onde ficou até março de 1985, enfrentando as sucessivas turbulências causadas pelo elevado endividamento externo do país em meio a crises, como a do petróleo (a segunda, em 1979) e a da alta dos juros nos EUA.

Em 1983, Delfim Netto tornara-se professor titular de análise macroeconômica na USP, onde ganharia ainda o título de professor emérito. Dois anos depois, elegeu-se deputado federal pelo PDS, e logo em seu primeiro mandato participou da Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1º de fevereiro de 1987, importante passo do processo de redemocratização do país. Reeleito para sucessivos mandatos, da cadeira no Congresso acompanhou os vários planos de estabilização econômica adotados no país, do efêmero Plano Cruzado, ainda no governo de José Sarney, em 1986, passando por Bresser, Verão, Collor I e II, até o bem sucedido Plano Real, de 1994.

Ao longo da carreira, o economista transitou por partidos como o PPR e o PPB, até que em 2005 filiou-se ao PMDB. Mas, em 2006, não conseguiu se reeleger pela sigla. Voltou a atuar em seu escritório de consultoria econômica, no bairro do Pacaembu, e à vida acadêmica. Foi colunistas em diferentes veículos de comunicação, como a revista “Carta Capital” e os jornais “Folha de S. Paulo” e “Valor Econômico”.

É autor de uma série de livros, como “O problema do café no Brasil”, escrito ainda nos anos 1966, “O Brasil e a Ciência Econômica Volumes I e II”, “Planejamento e Desenvolvimento Econômico” e “O Brasil do Século XXI”, entre outros.

Na década passada, ainda, durante o governo do PT, Delfim Netto acabaria se transformando num conselheiro frequente do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seus dois mandatos. Manteria essa condição até pouco antes do naufrágio da gestão da sucessora de Lula, Dilma Rousseff.

“O Lula é um diamante bruto. É um gênio. As pessoas que subestimam o Lula são idiotas. Ele realmente tem uma grande capacidade, não só de se comunicar, que é visível, mas de organizar as coisas. Ele fez um bom governo”, disse Delfim ao GLOBO, em 2015, em meio à crise que levaria ao impeachment da sucessora do líder petista.

Em junho de 2016, aos 88 anos, Delfim Netto viu seu nome envolvido na Operação Lava-Jato, que apurava diversos esquemas de corrupção entre agentes públicos, políticos e empreiteiras. Na Operação Xepa, como foi batizada a 26ª etapa da Lava-Jato, o ex-ministro é citado em planilhas do departamento de operações estruturadas, como era chamada a área de pagamento de propinas da Odebrecht, como beneficiário de R$ 240 mil. O ex-ministro foi intimado e, em depoimento, afirmou prestar serviços de consultoria à empreiteira há mais de 20 anos, e negou ter recebido valores indevidos.

Buscas na Operação Lava-Jato

Em março de 2018, Delfim voltou ao foco da PF. Na 49ª fase da Operação Lava- Jato, batizada “Buona Fortuna”, que apurou fraudes na licitação que definiu o consórcio Norte Energia como vencedor da licitação em 2010 para a construção de hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Os investigadores identificaram que as empreiteiras do bloco vencedor teriam pago R$ 150 milhões em propina para o PT, o MDB e o ex-ministro Delfim Netto.

Agentes da PF chegaram a fazer buscas na casa e no escritório de Delfim Netto, que ainda teve R$ 4,4 milhões bloqueados por ordem do juiz Sergio Moro.

“O professor Delfim Netto não ocupa cargo público desde 2006 e não cometeu nenhum ato ilícito em qualquer tempo. Os valores que recebeu foram honorários por consultoria prestada”, responderam seus advogados sobre as acusações.

Poucos dias depois da ação da PF, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu em sua defesa em um ato público. “Não posso permitir que com quase 90 anos Delfim seja acusado de corrupto por fazer uma consultoria”, disse o petista, então já condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na mesma Lava-Jato, que o levaria à prisão três semanas mais tarde, em 7 de abril.

Ao jornalista Roberto D’Avila, em abril, diria que a Polícia Federal e o Ministério Público cometeram um engano ao acusá-lo de receber propina. “É uma amolação enorme, mas minha consciência é que a democracia depende basicamente da obediência às leis.”. Adiante, perguntado sobre a prisão de Lula, diria: “Vi com tristeza a prisão de Lula. Lula preso é mais forte que Lula solto. Lula tem que ser vencido na urna.” Delfim Netto comemorou 90 anos no dia 1º de maio.