Medidas americanas arriscam enxugar polos consumidores nos EUA e na China e aumentar custos na Europa para segmento que já enfrentava desafios
Há apenas um mês, as empresas de luxo estavam ansiosas por uma nova era de desregulamentação, impostos mais baixos e um mercado de ações em alta — e sonhavam com compradores abastados gastando em vestidos de gala opulentos e relógios marcantes. Em vez disso, com a imposição do “tarifaço” do governo de Donald Trump, elas agora se preparam para uma realidade diferente, que pode significar mercados — por exemplo, dos EUA e da China — com menos bolsas da Chanel, relógios Rolex mais caros e uma incerteza geral sobre os preços.
Só os consumidores americanos, no último ano, foram responsáveis por 24% do total de US$ 1,62 trilhão (R$ 9,6 trilhões) gastos globalmente em luxo, segundo a Bain & Co. “Os EUA deveriam ser o salvador da indústria de bens de luxo”, disse Euan Rellie, cofundador do banco de investimento BDA, que atua na indústria da moda. “O governo Trump disse de uma hora para outra: ‘Não vamos jogar esse jogo’. O luxo está em uma situação muito difícil”.
Os Estados Unidos haviam confirmado uma tarifa de 20% sobre todas as importações da União Europeia, que aprovou retaliação de 25% sobre US$ 21 bilhões em produtos americanos. Donald Trump concordou com a redução das tarifas para 10% por 90 dias, para dar tempo de os países negociarem com os EUA, e UE também adiou o contra-ataque. Contra a China, Trump não cedeu: impôs tarifas de 145% aos itens do país asiático, que respondeu com 125% aos americanos.
A indústria do luxo já enfrentava desafios, prejudicada por uma recessão na Alemanha, por uma população japonesa envelhecida e pela desaceleração das vendas na China (a guerra tarifária arrisca afetar a economia chinesa e enxugar ainda mais esse polo consumidor). Com o enorme mercado dos EUA envolto em incertezas, nenhuma marca parece disposta a discutir como as tarifas poderiam afetar seus negócios ou os preços de seus produtos.
Um porta-voz da LVMH, o maior grupo de luxo do mundo, com mais de 75 marcas, incluindo Dior, Louis Vuitton e Fendi, recusou-se a comentar — embora os Estados Unidos tenham representado 25% da receita do grupo em 2024, e a Vuitton seja a única marca de luxo europeia a ter fábricas nos EUA. (O presidente Donald Trump cortou a fita de uma fábrica da grife no Texas durante seu primeiro mandato, e o CEO do império, Bernard Arnault, compareceu à posse do republicano com dois de seus filhos.)
A Burberry recusou-se a comentar o tema, assim como a Chanel. Não houve comentários da Hermès, da Kering (dona de Gucci, Balenciaga e Saint Laurent, entre outras marcas) e nem da Puig (Carolina Herrera, Rabanne e Dries Van Noten). Coach e Tory Burch também preferiram ficar em silêncio. Doug Hand, um advogado de moda que trabalha principalmente com marcas americanas independentes que obtêm seus insumos do exterior, descreveu seus clientes como pessoas hoje “roendo as unhas e arrancando os cabelos”. Andrew Rosen, investidor e conselheiro de marcas americanas independentes como TWP, Veronica Beard e Alice & Olivia, disse não saber “qual será o custo da nossa mercadoria na próxima semana”.
Muitas marcas de luxo têm grandes margens de lucro e podem absorver alguns dos custos ou pressionar seus fornecedores a reduzir os deles, mas analistas preveem que os preços vão subir — se as tarifas permanecerem em vigor. “A maioria das pessoas em sã consciência está pensando que deveria simplesmente esperar”, disse Luca Solca, analista sênior de luxo da empresa de pesquisa Bernstein. “A volatilidade da política dos EUA nos últimos dois meses tem sido insana. O presidente pode mudar de ideia, ou pode fazer um acordo com a União Europeia”.
Certamente, ninguém está planejando construir fábricas de roupas de alto padrão e artigos de couro nos Estados Unidos, um dos objetivos declarados da política de tarifas do governo Trump. “Em todas as conversas que tive com clientes nos últimos cinco a dez dias, nenhuma pessoa falou sobre construir uma fábrica nos EUA”, disse William Susman, diretor administrativo do banco de investimento Cascadia Capital, que trabalhou com Victoria Beckham e Tommy Hilfiger. Questionado se considerava tal movimento, Brunello Cucinelli, fundador da marca homônima, disse que não tinha planos para produzir nos EUA. “O ‘made in Italy’ é o cerne da nossa identidade”, afirmou. “Nossa empresa é italiana, e continuaremos baseados na Itália”.
Nas décadas de 1950 e 1960, cerca de 98% das roupas nos armários dos Estados Unidos eram feitas no país. Hoje, o total é de cerca de 2%. Levaria anos para reconstruir uma indústria de vestuário viável, disse Denise N. Green, professora associada e diretora da Coleção de Moda e Têxtil da Universidade de Cornell. Mesmo as empresas que fabricam roupas nos EUA o fazem com zíperes e botões da China, lãs e couros da Itália e caxemiras da Mongólia. “Isso não é um imposto sobre países. É um imposto sobre empresas americanas e consumidores americanos”, opinou o investidor e conselheiro Andrew Rosen.
Se algum consumidor pode absorver custos mais altos, é o consumidor de luxo. A sabedoria convencional diz que, mesmo em uma recessão, o luxo é resiliente; os ricos, embora menos ricos, ainda estão confortáveis o suficiente para satisfazer seus gostos por bens caros. Nesse sentido, as perspectivas para o luxo são melhores do que as de marcas de mercado de massa que produzem no Vietnã e no Camboja e têm margens de lucro menores.
Ainda assim, nem todos os consumidores de luxo são iguais, financeiramente falando. Achim Berg, fundador da Fashion Sights, um think tank da indústria de luxo, disse que cerca de 70% dos compradores de luxo eram “clientes abastados e aspiracionais”, em vez do tipo que não se importaria se o preço de um Lamborghini de US$ 750 mil subisse US$ 100 mil. Esses clientes, atingidos tanto por portfólios de ações encolhendo quanto por temores de uma recessão, podem optar por não fazer compras discricionárias, como bolsas ou pulseiras de diamantes. As pessoas compram bens mais valiosos quando estão se sentindo confiantes e otimistas, e o ambiente geral agora, disse Berg, é de “insegurança”.
Os custos relacionados às tarifas viriam em cima de anos de aumentos de preços no setor de luxo. As bolsas da Chanel, por exemplo, mais que dobraram de preço entre 2016 e 2023. E isso poderia contribuir para uma “percepção negativa” já existente das marcas, afirmou Claudia D’Arpizio, chefe global da prática de moda e luxo da Bain & Co. “Elas já estavam em um momento em que precisavam recuperar a confiança dos clientes, então isso não está indo na direção certa”, disse ela. “Há um sentimento geral negativo na sociedade contra produtos que são apenas para os super-ricos”.
Vendedores de bens de luxo vintage poderiam se beneficiar de toda essa turbulência. “Vou acompanhar de perto as vendas de bolsas de luxo na Christie’s e na Sotheby’s”, disse William Susman, da Cascadia Capital. Jacek Kozubek, um vendedor de Rolex vintage, disse que um de seus maiores parceiros no Japão, de onde vêm muitas de suas melhores peças, voou para os Estados Unidos na semana passada com mais de 400 relógios antes das tarifas previstas. Kozubek comprou 50 relógios por US$ 300 mil.
Solca disse que é possível que um mercado cinza se desenvolva nos Estados Unidos, semelhante ao sistema Daigou na China, no qual indivíduos compram bens de luxo no exterior, levam para o país clandestinamente e depois os revendem com lucro. E há uma tendência que todos os analistas de luxo presumem que ressurgirá: o “luxo silencioso”, a estética da recessão de 2008, quando os consumidores saíam das lojas com compras em sacolas de papel simples e quando os logotipos visíveis caíram em desuso. “Até mesmo as pessoas que ainda podem pagar por isso podem sentir vergonha do luxo”, disse D’Arpizio. “Elas podem não querer se exibir tanto, usando algo que seja instantaneamente reconhecível”.
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