G20: Protecionismo verde é tema polêmico e de difícil consenso

Grupo que trata de comércio e investimentos debate, por iniciativa do Brasil, o impacto negativo de medidas ambientalistas adotadas por países desenvolvidos

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Como presidente do G20, o Brasil decidiu colocar sobre a mesa temas complexos, que geram polêmica e sobre os quais dificilmente conseguirá alcançar um consenso até a cúpula presidencial de 19 de novembro, no Rio. Uma das questões mais áridas, em debate no Grupo de Trabalho sobre Comércio e Investimentos, é o impacto que medidas adotadas por países e blocos de países por motivos ambientais têm sobre o comércio. Uma onda que está crescendo no mundo e que alguns já chamam de protecionismo verde.

No comando do grupo que mergulhou em discussões difíceis estão o embaixador Fernando Pimentel, diretor do Departamento de Política Comercial do Ministério das Relações Exteriores, e a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Tatiana Prazeres.

A dupla voltará a entrar em campo na terceira reunião do grupo nos dias 27 e 28 de junho, no Rio, com a expectativa de que os países possam, pelo menos, estabelecer princípios balizadores sobre um tema que preocupa não apenas o Brasil, mas também muitos outros países.

G20:

— É uma questão desafiadora, porque no âmbito internacional há uma multiplicação de medidas adotadas por motivos ambientais que têm impacto comercial — explica a secretária brasileira, deixando claro que a iniciativa do Brasil não busca apontar o dedo contra nenhum país ou bloco comercial.

— O universo de medidas com objetivos ambientalistas que distorcem o comércio é mais amplo do que barreiras tarifárias ou não tarifárias. Existem, também, os subsídios — afirma Tatiana.

Com o sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) paralisado há vários anos, a proliferação deste tipo de medidas não tem qualquer tipo de controle, o que levou o Brasil, mesmo sabendo que impulsionaria um debate profundamente complicado, a defender que o assunto fosse tratado com destaque durante a presidência brasileira.

Com discussões sobre IA e meio ambiente:

Depois de um longo período em que o mundo negociou e assinou importantes entendimentos em matéria ambiental, entre eles o Acordo de Paris, em 2015, entrou-se, afirma Pimentel, numa fase na qual “predomina uma certa lógica punitiva”.

— O dinheiro prometido pelos países desenvolvidos para ajudar os países em desenvolvimento na preservação do meio ambiente não chegou, e ainda entramos nessa fase punitiva. É uma virada de chave e por isso existe preocupação — aponta o embaixador brasileiro.

Alguns exemplos de medidas ambientais que obstaculizam o comércio são a Lei Antidesmatamento aprovada pela União Europeia (UE), que entrará em vigência no final deste ano, e a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês) de 2022, um abrangente pacote de medidas que inclui subsídios para empresas que promovam o desenvolvimento sustentável, como montadoras de carros elétricos.

Neste caso, as montadoras recebem apoio do governo, sempre e quanto respeitem um determinado percentual de conteúdo nacional. Países mais ricos têm mais condições de apoiar suas indústrias com este tipo de subsídio, adicionando o que negociadores chamam de uma “camada verde” em programas governamentais que, na prática, desequilibram o comércio.

Ambos os casos são práticas legítimas de promoção da sustentabilidade que ninguém questionaria. Porém, acaba ocorrendo uma distorção no comércio que prejudica outros países e é isso justamente o que o Brasil defende que seja discutido, para que, no melhor dos cenários, sejam estabelecidos princípios básicos que regulem este tipo de medidas, como a transparência e a importância de que elas estejam baseadas na ciência.

É algo que negociadores costumam chamar de princípios “motherhood e apple pie” (maternidade e torta de maçã), ou seja, sobre os quais existem altas chances de chegar a consensos.

Outra iniciativa ambiental que pode causar distorções ao comércio é o Mecanismo de Ajuste Fronteiriço de Carbono (CBAM) da UE, definido por alguns como um imposto climático, que será aplicado a partir de janeiro de 2026. A medida está em fase piloto, na qual afeta apenas setores com elevada pegada de carbono como aço, cimento, fertilizantes e alumínio.

Isso significa que todos estes setores que pretendem exportar para o mercado europeu têm de quantificar suas emissões de carbono para garantir que não violam o CBAM. Entre outubro de 2023 e dezembro de 2025, os importadores de bens abrangidos pelo CBAM terão de declarar as emissões desses produtos, mas não terão de comprar direitos de emissão de carbono.

A partir de 2026, os importadores terão de adquirir certificados CBAM para cobrir as emissões que excedam o limite permitido pelas regras europeias.

— Existe um viés protecionista. Estas medidas afetam principalmente os países que têm florestas, são unilaterais e não estão reguladas pelo sistema multilateral. O tema é, de fato, o mais complicado do grupo de comércio e investimentos — confirma o embaixador Mauricio Lyrio, sherpa do Brasil (representante do governo nas principais negociações do G20).

Os exemplos são diversos. No âmbito multilateral está sendo negociado atualmente um acordo sobre plásticos, de forma a buscar maneiras de lidar com produtos poluentes. O Brasil tem uma importante indústria de plásticos, mas também, lembra a secretária de comércio, “um compromisso inegociável com a sustentabilidade.

— Olhamos a interseção entre comércio e sustentabilidade como um risco, mas também uma oportunidade, porque o comércio pode contribuir com o desenvolvimento sustentável e o Brasil tem tudo para liderar este movimento — acrescenta Tatiana.

— O Brasil não está na defensiva, ao contrário, temos todas as condições de nos posicionarmos melhor, por exemplo, por sermos capazes de produzir com pegada de carbono menor.

Não é uma discussão que devemos temer, pelo contrário. Somos uma potência ambiental, energética — frisa a secretária de comércio.

O governo Lula está dando uma boa cutucada nos sócios ricos do G20, e mesmo se fracassar, conclui o embaixador Pimentel, ficará satisfeito por ter dado um recado importante:

— Se não houve consenso, deveremos avaliar o que deu errado, onde travou? Isso nos ajudará a fazer um diagnóstico sobre o que deve ser trabalhado daqui em diante. Tomamos a decisão de encarar este assunto, mesmo sabendo que é polêmico. É melhor ter um fracasso retumbante do que um consenso morno.