Pesquisadores temem risco à política em meio à falta de notícias e aumento da interação com opiniões e conteúdos não checados em rede social. Procurada, Meta afirma que canadenses ainda podem acessar “informações confiáveis de diversas fontes” na plataforma
Desde que a Meta bloqueou links de sites de notícias no Canadá, em agosto do ano passado, para evitar remunerar empresas de mídia, usuários enfrentam mudanças profundas na forma como interagem com informações sobre política. É o que apontam dois estudos compartilhados com a agência de notícias Reuters.
— As notícias comentadas nos grupos políticos estão sendo substituídas por memes — disse à Reuters Taylor Owen, diretor fundador do Centro de Mídia, Tecnologia e Democracia da Universidade McGill, que trabalhou em um dos estudos. — A presença ambiental do jornalismo e de informações verdadeiras em nossos feeds, além dos sinais de confiabilidade que existiam, tudo isso se foi.
Segundo o Observatório do Ecossistema de Mídia (MEO, na sigla em inglês), um projeto da Universidade McGill e da Universidade de Toronto, as postagens de notícias no Facebook recebiam de 5 a 8 milhões de visualizações diárias por parte dos usuários canadenses. Agora, tudo isso desapareceu.
O proprietário de uma página de direita, Jeff Ballingal, contou à Reuters que percebeu um aumento nos cliques em sua página chamada ‘Canada Proud’.
“Nossos números estão crescendo e alcançamos cada vez mais pessoas todos os dias”, disse ele, que publica até 10 postagens por dia e tem cerca de 540 mil seguidores. “A mídia vai se tornar mais tribal e de nicho. (…) Isso está apenas crescendo ainda mais.”
Segundo os pesquisadoras, a falta de notícias em uma rede social e o aumento da interação com opiniões e conteúdos não checados representam um risco à política, especialmente em anos eleitorais. O Canadá e a Austrália (que também travou batalha contra o Facebook) vão às urnas em 2025.
Ainda de acordo com o estudo, as reações a publicações baseadas em imagens de grupos políticos canadenses no Facebook triplicaram depois que as notícias sumiram da plataforma.
A pesquisa analisou cerca de 40 mil postagens e comparou a atividade dos usuários antes e depois do bloqueio de links de notícias nas páginas de cerca de mil editores de notícias, 185 influenciadores políticos e 600 grupos políticos.
Risco de desinformação com ascensão da IA
Outro estudo da NewsGuard elaborado para a Reuters revelou que curtidas, comentários e compartilhamentos de conteúdos classificados como fontes “não confiáveis” subiram para 6,9% no Canadá nos 90 dias após a proibição, em comparação com 2,2% nos 90 dias anteriores.
“Isso é preocupante”, disse à Reuters, Gordon Crovitz, co-presidente-executivo da NewsGuard, com sede em Nova York, empresa de checagem de fatos.
Crovitz destacou que a mudança ocorreu num momento de “umento acentuado no número de sites de notícias gerados por IA que publicam alegações falsas e um número crescente de áudio, imagens e vídeos falsificados, inclusive de governos hostis destinados a influenciar as eleições”.
Na mira da justiça
O Canadá foi o ponto de partida para que o Facebook travasse uma disputa com governos que promulgaram ou consideram promulgar leis que forçam Big Techs a remunerar empresas de mídia por links para notícias publicadas em suas plataformas.
A rede social fundada por Zuckerberg decidiu remover todo o conteúdo de notícias das plataformas no Canadá em vez de pagar, sob o argumento de que as notícias não têm valor econômico para seus negócios.
Espera-se que o Facebook reaja de forma semelhante na Austrália, onde a plataforma decidiu não estender acordos com editores de notícias depois que o país aprovou uma lei de licenciamento de conteúdo em 2021. As notícias foram bloqueadas na Austrália antes da lei.
Outras jurisdições como as da Califórnia e Grã-Bretanha também consideram criar leis para forçar os gigantes da Internet a pagar pelas notícias. A Indonésia já criou uma lei parecida este ano.
Links de notícias são bloqueados
A decisão da Meta no Canadá faz com que os canadenses não consigam visualizar o link de uma notícia quando alguém cita uma publicação jornalística ao fazer uma postagem no Facebook.
Eles veem uma caixa com a mensagem: “Em resposta à legislação do governo canadense, o conteúdo das notícias não pode ser compartilhado”.
O que diz a Meta
Procurada, a Meta disse a partir de um porta-voz que a pesquisa confirmou a visão da empresa de que as pessoas ainda acessam “o Facebook e o Instagram mesmo sem notícias na plataforma”.
Os canadenses ainda podem acessar “informações confiáveis de diversas fontes” no Facebook e o processo de verificação de fatos da empresa estava “empenhado em impedir a disseminação de informações erradas em nossos serviços”, disse o porta-voz.
A Meta não quis comentar o pedido da Reuters sobre futuras decisões comerciais na Austrália, mas disse que continuaria a interagir com o governo.
No Canadá, onde quatro quintos da população está no Facebook, 51% obtiveram notícias na plataforma em 2023, disse o Media Ecosystem Observatory. Dois terços dos australianos estão no Facebook e 32% usaram a plataforma para obter notícias no ano passado, segundo a Universidade de Canberra.
Ao contrário do Facebook, o Google não indicou quaisquer alterações aos seus acordos com editores de notícias na Austrália e chegou a um acordo com o governo do Canadá para fazer pagamentos a um fundo que apoiará os meios de comunicação.