Crise climática ameaça produção de queijo gouda, na Holanda

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Em uma manhã recente em Gouda, uma pequena cidade na Holanda, centenas de rodas de queijo amarelo estavam dispostas em fileiras nos paralelepípedos da praça da cidade, cenário para o mercado semanal de queijos do vilarejo, que remonta à Idade Média. Ad van Kluijve, um fazendeiro vestido com camisa azul, lenço vermelho, boina e tamancos de madeira, negociava com um comprador sobre o preço de seu último lote de jong belegen, famoso por seu sabor suave de caramelo. No resto do mundo, é um dos muitos queijos com o nome da cidade onde é comercializado.

A negociação é amplamente uma performance para turistas, pois as negociações reais de preços ocorrem em outro lugar. A indústria de queijos na região é muito real, representando cerca de 60% da produção nacional, com um valor de exportação de US$ 1,7 bilhão anuais (cerca de R$ 9,7 bilhões), segundo a ZuivelNL, que representa o setor de laticínios holandês.

Mas é improvável que o mercado de queijos esteja aqui em 50 a 100 anos devido a uma confluência de alguns fatores, dizem os especialistas: a cidade, construída em pântano de turfa, sempre foi vulnerável ao afundamento. E o risco é maior agora, devido ao aumento das chuvas e ao aumento do nível do mar – uma consequência das mudanças climáticas –, que ameaçam inundar o delta do rio onde está situada. “Não estamos em boa forma. É uma situação muito preocupante”, disse Gilles Erkens, professor da Universidade de Utrecht e chefe de uma equipe focada em afundamento de terras no Deltares, um instituto de pesquisa sem fins lucrativos.

Jan Rotmans, professor da Universidade Erasmus de Rotterdam e autor de “Embracing Chaos: How to Deal with a World in Crisis?” (“Abraçando o caos: Como lidar com um mundo em crise?”, sem edição em português) fez projeções de aumento do nível do mar na região e prevê que o Coração Verde, como é conhecida a região de Gouda, será inundado, ou construído em cidades flutuantes, até o fim deste século. “Eu não esperaria muito queijo gouda daqui a 100 anos. Se a terra se transformar em água e as vacas desaparecerem, o queijo terá de vir da parte oriental do país, e não será mais Gouda”, afirmou Rotmans.

Solo esponjoso

Grande parte da Holanda foi construída séculos atrás em pântanos de turfa, um solo esponjoso que se comprime facilmente. “Em Gouda, ele está constantemente afundando com o peso da cidade”, disse Michel Klijmij-van der Laan, vereador que tem como agenda a sustentabilidade e a questão do afundamento. A parte mais antiga do centro da cidade afunda a uma taxa de cerca de três a seis milímetros por ano, disse ele, e as partes mais novas afundam de um a dois centímetros por ano. “Temos até 2040 ou 2050 para elaborar um novo plano. Precisamos encontrar novas soluções, porque as soluções que sempre usamos não são à prova de futuro. Continuar bombeando água para fora não é prático, porque eventualmente se tornará muito caro”, disse Klijmij-van der Laan.

Em um esforço para resolver o problema, Gouda, que tem cerca de 75 mil habitantes, está gastando mais de US$ 22 milhões (cerca de R$ 126 milhões) por ano em esforços para mitigar a invasão da água, incluindo manutenção diária, reparos, atualizações de sistemas e substituições de tubulações. Klijmij-van der Laan disse que esse valor deverá aumentar exponencialmente. Ele ajudou a estabelecer um centro nacional de conhecimento em um prédio na praça do mercado, onde legisladores, cientistas, arquitetos e outros especialistas discutem possíveis soluções.

O município também aprovou recentemente um plano de curto prazo denominado “Gouda Cidade Firme” para gerenciar os níveis de água no centro da cidade, represando um canal local, o Turfmarkt, dos dois lados e bombeando água para fora nos rios locais. Espera-se que isso reduza gradualmente o nível da água em 25 centímetros. Mas Rotmans disse que o país precisava desenvolver uma abordagem radicalmente nova dentro de dez anos, acrescentando que estava frustrado com a falta de urgência, dada a baixa altitude da região e a alta densidade de pessoas, vacas e indústrias. “Não há outra área de delta que seja tão bem protegida, mas também tão vulnerável. Isso me irrita. Essa falta de urgência entre os engenheiros climáticos. Não me surpreenderia se nos próximos 20 anos houvesse algum tipo de desastre”, afirma.

Klijmij-van der Laan disse que os moradores nem sempre percebem a urgência do problema porque já estão acostumados com ele. “Se você mora aqui, isso é apenas um fato. Você eleva seu jardim, nivela a rua, aceita que os impostos sobre a propriedade são mais altos do que no resto da Holanda”, diz.

Evidências

Evidências do aumento do nível da água estão em toda parte de Gouda. No Turfmarkt, a água sobe a apenas alguns centímetros do topo das paredes do canal. Flores de lótus, que brotam na superfície da água, estão quase ao nível da rua. Edifícios no antigo centro histórico enfrentam inundações frequentes, que inundam as vielas com água de esgoto. Porões ficam regularmente inundados e precisam ser bombeados, enquanto o mofo se infiltra nas paredes e racha as superfícies de gesso. “Algumas das casas mais antigas não têm fundações e mais de mil delas são construídas sobre estacas de madeira, que podem apodrecer quando há umidade excessiva no solo”, disse Klijmij-van der Laan. “Há muitas casas na parte mais antiga da cidade que têm seus pés, por assim dizer, na água. Muitos dos porões estão se enchendo de água regularmente”, disse Erkens.

Em uma tarde ensolarada no mês passado, porém, poucos moradores pareciam preocupados com o futuro. Os engenheiros hídricos holandeses são famosos por suas habilidades de gestão da água, pois construíram todo um país em pântanos, usando um sistema intricado de barragens, diques e canais. “As casas afundam um pouco a cada ano, mas no final são apenas milímetros, então você não percebe. Precisamos tomar medidas, mas não é como se fôssemos nos afogar aqui em alguns anos. Na Holanda, sempre fizemos gestão da água, e sempre faremos”,disse Marco van der Horst, proprietário da D.G. van Vreumingen, uma tabacaria de 187 anos na esquina da praça da cidade.

Mas Rotmans disse que não era sensato imaginar que o problema da água poderia ser gerenciado para sempre. “Se você olhar 50 ou 100 anos à frente para o nível do mar e a terra, torna-se incrivelmente caro gerenciar o nível da água”, disse ele. Enquanto isso, no mercado de queijos no centro da cidade, uma banda tocava, o céu estava azul e a multidão estava animada. Wijtze Visser, vestido com um terno amarelo e gravata vermelha, pegou a mão de uma mulher na multidão para dançar com ela. Ele estava preocupado com a elevação das águas ameaçando esse modo de vida? “Eu já moro a sete metros abaixo do nível do mar. Se a água subir um pouco, não faz muita diferença para mim. Também não acho que meus filhos, a próxima geração, terão um problema”. E depois disso? ‘”Depois disso?” — ele fez uma pausa — “Sim, certamente”.

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