A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou mais uma vez nesta quarta-feira a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autonomia financeira do Banco Central. O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), concedeu vista coletiva ao projeto, após pedido do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e afirmou que a discussão será retomada na próxima reunião presencial da comissão.
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O argumento de Jaques Wagner é que não houve tempo cabível para analisar o complemento de voto do relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), apresentado na manhã desta quarta-feira. Em uma avaliação preliminar, Jaques disse que os técnicos do governo continuam receosos sobre o impacto primário do modelo jurídico proposto para o BC em momentos de prejuízo do órgão. Ele se comprometeu a trazer “pessoa de alto nível” para dialogar sobre as discordâncias.
— Eu mandei (o relatório) ao governo para a consulta e já recebi as primeiras manifestações. Não me resta outra opção senão pedir vista ao processo — disse o líder do governo no Senado, acrescentando que o dispositivo regimental será usado para superar as dúvidas.
O relator, porém, afirmou que não foi procurado pelo governo para negociar o texto desde que Jaques Wagner tornou pública a discordância do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o formato inicialmente previsto, de empresa pública. Nesse caso, acatou a proposta realizada pelo BC, até para acenar para um diálogo para o Executivo, segundo o senador.
— No recesso ou na primeira semana, não fomos chamados para conversar. Como o X da questão era empresa pública e o governo não acenou como uma solução para esse impasse e o BC, sim, eu acatei a sugestão do BC — explicou Valério.
De acordo com o senador, parecer deixa a cargo do governo a lei complementar que vai detalhar alguns pontos, como o relacionamento financeiro com a União, motivo de preocupação da equipe econômica.
— Por que não fui procurado? Eu me recuso a sair do Senado para conversar, porque é aqui é a casa que decide isso. Não fui procurado, então aceitamos a sugestão do BC como aceno ao governo — destacou. — Com isso, me parece que estávamos acenando ao governo e me parece que essa conversa o governo não quer.
Corporação
Pela nova versão do relatório de Plínio Valério, o BC deixaria de ser uma autarquia especial não vinculada a ministérios e se tornaria uma corporação integrante do setor público financeiro que exerce atividade estatal, e não mais empresa pública.
“A PEC 65/2023 passa, assim, a acrescentar esse tipo de entidade no ordenamento jurídico brasileiro, de forma a deixar cristalino, sem sombra de dúvidas, o caráter jurídico-institucional único do BCB. Ao invés de se buscar adaptar o instituto jurídico existente de empresa pública às especificidades do BCB, trata-se agora de criar formatação jurídica própria e específica ao BCB”, diz o novo texto.
Esse é o modelo encontrado para permitir que o BC possa controlar seu próprio orçamento. Conforme mostrou O GLOBO, é de interesse da Fazenda encontrar um modelo de autonomia financeira para o BC, mas os aliados de Haddad consideram que é necessário seguir algumas premissas, apresentadas em uma sugestão antes do recesso parlamentar.
Uma delas é que o BC continue como autarquia especial, com orçamento separado da União. O governo também quer o direito de aprovar o orçamento no Conselho Monetário Nacional (CMN) e que o salário dos funcionários do órgão respeite o teto remuneratório do funcionalismo federal, mesmo que sejam contratados sob o regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A avaliação da equipe econômica é de que se o BC “virar uma figura muito diferente”, outras carreiras vão pleitear algo semelhante.
Caso o orçamento do órgão fique fora do controle do governo, com os custos sendo bancados por receitas próprias, abre-se um espaço nas contas da União para outros gastos, como investimentos. Hoje, as receitas do BC são repassadas ao Tesouro Nacional, mas, como são financeiras, só podem ser usadas para abater dívida.
Em 2024, a dotação orçamentária do BC é de cerca de R$ 4,0 bilhões. Por outro lado, caso deixe de ser autarquia, há receio de que, em um eventual prejuízo do BC, os aportes do Tesouro, regulamentados por lei de 2019, sejam considerados gastos primários.
Plínio Valério, contudo, é contra a manutenção do BC como autarquia, porque, segundo auxiliares, derruba o cerne da PEC, que é a autonomia orçamentária e financeira da instituição. A avaliação é que o formato de autarquia concederia independência orçamentária “maquiada”, porque o orçamento teria de passar por quatro barreiras antes de ser liberado, com decisão final do governo.
A PEC foi construída a quatro mãos entre o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, para permitir a modernização do BC e garantir que o órgão continue a cumprir sua missão constitucional, sem ser prejudicado pelo aperto nas contas públicas, considerando que tem receitas próprias. O argumento é que a maioria dos principais BCs do mundo têm autonomia financeira e orçamentária, além de operacional – o que o órgão brasileiro já tem.
Os servidores do BC se dividem sobre a proposta. Os funcionários da ativa consideram que o projeto é importante para garantir o bom funcionamento do órgão no futuro, mas os aposentados temem as consequências de sair do Orçamento Geral da União.