Os investimentos em transição energética não ocorrerão espontaneamente, e é preciso discutir marcos regulatórios que deem previsibilidade para o setor privado, defende o ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevêdo. O debate, argumenta, também passará por alianças estratégicas que não são óbvias, pois demandarão um entendimento entre países que muitas vezes competem no comércio internacional.
Em outra frente, avalia, as discussões terão que envolver investidores, uma vez que é o setor privado que está realmente fazendo as contas para ver a viabilidade dos projetos.
Diplomata de carreira, Azevêdo chegou ao posto de embaixador, depois passou a trabalhar na iniciativa privada e hoje é sócio da YvY Capital. Leia a seguir entrevista exclusiva.
Como resistências à globalização podem interferir na atração de investimentos verdes?
O maior desafio é dar ao setor privado uma equação financeira que seja viável. Que ele veja oportunidade não só de investimentos que levem à transição para a economia verde, mas que sejam um bom negócio. Isso não vai acontecer espontaneamente. É preciso discutir e encontrar um marco regulatório.
O governo muitas vezes toma medidas, mas às vezes está olhando mais para o lado climático e aí se esquece da equação do produtor. Às vezes, está olhando só para o produtor, mas aí se esquece da questão climática. Como é que você harmoniza essas coisas? O diálogo é importante, e o contexto internacional é fundamental.
Como viabilizar uma convergência em meio às dificuldades dos organismos multilaterais e tendências isolacionistas de alguns países?
O unilateralismo e as medidas que estão pipocando em países, muito na Europa e copiadas por outros, eu não digo que inviabiliza, mas certamente não ajuda.
Por exemplo?
Energia renovável. Quando você tem um grupo como a União Europeia (UE), que só fala de energia solar e eólica, deixa de fora tudo o que tem a ver com resíduos orgânicos, biocombustíveis de qualquer geração e baixa pegada de carbono. Tudo isso é ignorado porque não é um modelo que se viabiliza na UE. Temos que responder a esse tipo de coisa tentando encontrar alianças.
Como conseguir alianças com países que, em muitos casos, concorrem com o Brasil?
Com os EUA, temos uma competição muito forte no setor de carnes nos mercados externos, no Japão, na Coreia e em vários países. Isso é normal, é natural, faz parte da competição. Mas há áreas de interesse comum. Biocombustíveis, por exemplo, é uma área extraordinária para sinergias.
Em vez de ficarmos discutindo se o meu etanol pode entrar aí e o seu não entra aqui, se a sua regulamentação não favorece o meu produto, devemos pensar em como viabilizar um mercado global de biocombustíveis que não afete a segurança alimentar e mantenha os preços estáveis.
É procurando alianças com EUA, com Índia… não são alianças óbvias. Pelo contrário. E isso passa por um diálogo com o setor privado também, porque é ele, no fundo, que está com o papel e o lápis fazendo a conta para ver se a equação fecha.
Os europeus têm sido bastante agressivos quando falam de desmatamento…
O Brasil não é a favor do desflorestamento. Nunca fomos. Mas a mudança do uso da terra, independentemente se é na Amazônia, no cerrado ou no sertão, já tem uma conotação negativa, quando no fundo, para uma agenda ambiental, climática e de biodiversidade, o que você quer ver é, objetivamente, se essa mudança de uso da terra está sequestrando mais carbono ou menos.
Está emitindo ou está sequestrando? Viabilizando uma função social mais ampla? Alimentando e dando melhores condições de vida para uma região ou não? Não se pode ignorar esses elementos, precisam ser avaliados.
Há gente no governo que pretende acelerar a tramitação de marcos regulatórios no Congresso para que sejam, de alguma forma, um parâmetro para as negociações internacionais. Com sua experiência, acha viável essa estratégia?
A pressa não pode ser inimiga do bom. Temos que ter a certeza de uma sinalização correta e adequada tanto para o sistema produtivo interno quanto para o exterior. Às vezes, na pressa, a gente tenta copiar modelos importados sem ter um esforço crítico para ver se efetivamente aquilo atende à realidade brasileira.
O Brasil preside temporariamente o G20 e vai realizar uma COP em Belém. Como isso pode influenciar as discussões e dar tração ao debate sobre investimentos verdes?
São momentos muito importantes onde nós poderíamos — e eu tenho certeza de que o governo está pensando nisso — tentar narrativas e conceitos que possam ser colocados com mais massa crítica. Que não seja o Brasil na presidência apenas falando isso, mas que seja um grupo grande de países ou um grupo de países com peso específico elevado, apresentando conceitos, caminhos e avenidas de avanço que não sejam as tradicionais ou as que vêm sendo impostas pelo Norte. Quando falo aqui “Norte” não estou fazendo geopolítica, eu estou falando de uma realidade econômica, social, climática e geográfica completamente diferente da nossa.