Depois de seis meses de experimento, oito das 19 empresas que resolveram manter o modelo, enquanto sete devem seguir com os testes para implementar alguns ajustes, como o que fazer em caso de feriados, por exemplo.
Um delas disse que pretende expandir o experimento por mais meses, mas neste caso para implementar a jornada reduzida em novos times. As três restantes devem seguir com o modelo da semana de 4 dias permanentemente, mas adotaram alguma mudança em relação à ideia inicial, como manter uma semana no mês funcionando em cinco dias.
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O experimento foi uma iniciativa da organização sem fins lucrativos 4 Day Week, que conduz testes sobre o assunto ao redor do mundo, e a brasileira Reconnect Happiness at Work.
Ambas defendem a redução da jornada de trabalho semanal. O modelo em teste é conhecido como 100-80-100 — 100% da remuneração, com 80% do tempo de trabalho e 100% da produtividade.
Rafael Grimaldi, CEO da Inspira Tecnologia, empresa paulista que fornece IA, disse que a semana de 4 dias funcionou para seu time de 20 pessoas, mas deve expandir o teste por seis meses para ajustar alguns detalhes — houve dúvidas sobre se os empregados podem trabalhar menos de 4 dias caso tenha algum feriado na semana, por exemplo, ou sobre se as folgas nos aniversários seriam mantidas .
— Como podia estender, resolvemos estender — diz Grimaldi, que elenca algumas mudanças no modelo para adequar à realidade da empresa — Se estamos trabalhando em um projeto grande ou alguma entrega não foi concluída, trabalhamos na sexta e compensamos depois.
Mais tecnologia, mais produtividade
A Inspira também adotou automação e IA para aumentar a produtividade, especialmente nas áreas de maior contato com os clientes. A empresa criou uma ferramenta de atendimento automatizado para ajudar os times de suporte, que revezam o dia de folga entre quinta e sexta.
Além disso, contratou uma tecnologia para categorizar despesas por meio de IA. Como esse trabalho deixou de ser realizado manualmente, a economia é de dez a vinte horas mensais.
— O time trabalhou de forma mais produtiva, primeiro, por conta do bom senso das pessoas, mas também pela tecnologia. Como qualquer empresa, não podíamos deixar a produtividade cair. Mantivemos as entregas, com menos horas — afirma o CEO.
Outra empresa que passou pelo experimento e investiu em tecnologia para reduzir a semana para 4 dias foi o Clementino & Teixeira Advocacia, que passou a usar uma ferramenta da Inspira para acelerar a pesquisa jurisprudencial.
Além disso, a firma contratou um advogado júnior para ajudar em atividades que não podem ser automatizadas e implementou ferramentas para reduzir o tempo que os profissionais gastam analisando vídeos de audiências.
— A semana de 4 dias acelerou nosso processo de inovação — diz Soraya de Almeida, sócia fundadora e gestora da empresa, que estima um aumento de 3% nas despesas com as mudanças.
Segundo Grimaldi, da Inspira, o investimento em tecnologia é uma forma de fazer com que os trabalhadores percam menos tempo com atividades manuais e burocracia. Claro que é necessário gastar mais em um primeiro momento, diz, mas a conta compensa no longo prazo.
‘Rotina me engoliu’ versus ‘tenho vida’
Assim como a Inspira, o Clementino & Teixeira Advocaia também vai seguir testando a semana de 4 dias. Atualmente, são 14 funcionários, divididos entre Belo Horizonte (BH) e São Paulo (SP), que trabalham no formato semipresencial. Inicialmente, a empresa pretende implementar uma folga mensal, mas a meta é avançar para duas no mês.
— Não é só trabalhar menos. É trabalhar de uma forma diferente, para ser mais eficiente. A nossa semana era maior que cinco dias e a rotina nos engoliu. Seis meses é pouco tempo para uma mudança como essa. Esperávamos que fosse mais fácil — diz Soraya.
Na Inspira, os funcionários conseguiram se adaptar ao modelo. A empresa criou novas vagas recentemente, e Grimaldi diz que o modelo de 4 dias faz brilhar os olhos dos candidatos. Além disso, a retenção de talentos aumentou.
— A pessoa pensa duas vezes antes de retornar aos cinco dias. Um dos funcionários até me falou: ‘agora parece que eu tenho vida’.
Foco em resultados
Renata Rivetti, fundadora da Reconnect, diz que a maioria das empresas que resolveram seguir o modelo de 4 dias têm até 50 funcionários, mas atuam em segmentos diversos. As companhias que alcançam melhores resultados durante o experimento, diz, são aquelas que conseguem alinhar as prioridades entre gestor e time e implantar mais tecnologia.
— Sempre medimos produtividade por horas trabalhadas. Empresas que olharam mais para as entregas se adaptaram melhor. É um processo que passa por reduzir falhas de comunicação e reuniões desnecessárias, planejar melhor os dias e ter momentos de hiperfoco — conta.
Renata diz que os testes indicaram que as empresas precisam implementar mudanças para ter um ambiente de trabalho mais acolhedor, com menos horas de trabalho, mas o que funciona para uma companhia pode não funcionar para todas as demais, o que demanda ajustes.
— As empresas tentam entender se há momentos de maior trabalho. Algumas veem que precisam ter uma semana de cinco dias, para momentos de fechamento ou mais entregas. Outras querem ter só duas semanas de 4 dias no mês, o que é melhor que nada — diz Renata.
Para os trabalhadores
Nas empresas que implementaram o piloto no Brasil, quase metade dos colaboradores (48,2%) percebeu um aumento no ritmo de trabalho. O volume de trabalho se manteve o mesmo para a maior parcela de entrevistados (77,9%). Por outro lado, houve aumento de 60,3% no engajamento e de 71,5% na produtividade.
Houve ainda redução no número médio de horas trabalhadas por semana, de 42,8 horas para 36,8 horas. Durante as entrevistas conclusivas do teste, 97,5% das pessoas gostariam que houvesse continuidade na semana de 4 dias.
Os dados também indicam melhoras na saúde mental. O número de trabalhadores que se dizem ansiosos e estressados reduziu 30,5% e 14,5%, respectivamente. O impacto sobre o estresse se mostrou menor por aqui do que em outros países que testaram o modelo, um reflexo da cultura corporativa brasileira, diz Renata, que valoriza horas trabalhadas em excesso.
— Uma empresa me disse que precisou aprender a dizer não para os clientes, que querem tudo para ontem, e começou a negociar melhor os prazos. Outros colaboradores sentem culpa por não trabalhar na sexta. Nós premiamos muito a sobrecarga, talvez por isso não tenha havido tanta redução de estresse.
Para as empresas
Dados financeiros dos seis primeiros meses do ano, frente ao mesmo intervalo do ano anterior, revelam que houve aumento de receita na maioria das empresas (72,7%), enquanto uma minoria registrou redução (27,3%). Houve aumento nos lucros para 63,3% e redução para 36,4%.
Durante o piloto, a maioria das empresas (66,7%) conseguiu ajustar suas atividades sem a necessidade de contratar mais pessoas. Cerca de um terço (33,3%) aumentou o número de funcionários para atender às exigências do piloto. Renata explica que, mesmo as empresas que precisaram contratar mais pessoas, dizem que o modelo compensa financeiramente, por reduzir o absenteísmo ou demissões.
“Isso indica que, em geral, as empresas conseguiram otimizar o uso dos recursos humanos existentes, demonstrando eficiência na reorganização e no gerenciamento de processos para implementar a nova jornada de trabalho”, diz o relatório, elaborado em parceria com a Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP).
Como funcionaram os testes
O piloto da semana de 4 dias começou em maio de 2023, com o recrutamento de empresas. Entre junho e julho, as interessadas passaram por quatro sessões de treinamento. No primeiro semestre de 2024, o modelo foi implementado. As companhias tiveram autonomia de mexer no formato segundo suas necessidades, desde que mantivessem a remuneração e reduzissem os dias de trabalho.
Inicialmente 21 empresas participavam, com aproximadamente 290 colaboradores, mas uma delas, localizada no Rio Grande do Sul, desistiu por conta das enchentes, e a outra interrompeu os testes após uma troca no comando.