Sob pressão do agronegócio que cobra mais recursos para o setor, o governo Lula para médios e grandes produtores rurais pelo Plano Safra. O montante representa aumento de 10% em relação à cifra do ano passado. Ainda assim, associações do agronegócio avaliam que o valor não é suficiente para compensar o aumento de custos no setor, afetado este ano por fatores climáticos e queda no preço de commodities.
O acréscimo de recursos representou um gesto do governo para diminuir as resistências do agronegócio. Na cerimônia de lançamento , em Brasília, o presidente Lula disse que os governos do PT tiveram um Plano Safra “melhor do que aqueles que parecem que gosta de vocês”, em alusão ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que mantinha mais proximidade com empresários do setor.
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O Plano Safra é um programa de incentivos do governo federal que envolve financiamento com taxas de juros subsidiadas e políticas de apoio ao agronegócio.
De acordo como a CNA, seriam necessários R$ 570 bilhões em financiamento total — empresarial e familiar — para fazer frente à queda nas margens dos produtores. O montante seria 20% superior ao anunciado. Além disso, a entidade esperava um orçamento de R$ 21 bilhões para os chamados recursos equalizados, usados para reduzir as taxas de juros junto aos bancos, que aumentaram de R$ 13,7 bilhões no ano passado para R$ 16,3 bilhões.
Já a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) destacou que houve redução nas linhas de financiamento empresarial em programas importantes, sobretudo o de armazenagem, que perdeu R$ 2 bilhões neste novo ciclo. O Brasil enfrenta um gargalo de 124 milhões de toneladas nessa área. Embora o plano “não tenha atendido completamente às expectativas do setor”, disse a entidade, veio dentro do possível.
Apesar do aumento no volume de recursos, segundo Bruno Lucchi, técnico da CNA, o setor passa por um momento de aumento de custos:
— Os custos (de produção) caíram 10%, enquanto as margens de algumas atividades chegaram a ter 35% de queda. O mercado privado está tendo mais restrição na oferta de crédito por causa da queda do preço das commodities e dos problemas climáticos. Precisávamos de um plano mais robusto — afirma Lucchi.
Juros não caíram
Os juros para financiamentos empresariais se mantiveram no mesmo patamar do último lançamento do programa, entre 7% e 12% ao ano. O setor esperava que houvesse alguma queda, considerando que, no momento do anúncio do último plano bianual, a taxa básica de juros (a Selic) excedia o patamar de 13%. Atualmente, a taxa está em 10,5% ao ano.
Apenas os financiamentos familiares conseguiram algum alívio, e dez linhas tiveram redução. As taxas de custeio para safras de alimentos considerados essenciais, por exemplo, como arroz, feijão, mandioca, frutas e verduras, passaram de 4% para 3%. No caso da produção familiar, os recursos previstos atingiram patamar recorde de R$ 76 bilhões em crédito rural. O governo anunciou outros R$ 108 bilhões em Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), para emissões de Cédulas do Produto Rural (CPR), voltado a produtores empresariais.
Felippe Serigati, professor do FGV Agro, acredita que o plano anunciado para 2024 e 2025 é condizente com o cenário de limitação fiscal, no qual o Ministério da Fazenda busca maior controle dos gastos e alavancagem nas receitas para cumprir as metas de resultado estabelecidas.
— Houve uma expansão de volume (de financiamento empresarial) acima da inflação, mas as taxas de juros se mantiveram as mesmas, com exceção do Moderfrota, para máquinas e equipamentos. É um plano desenhado num ambiente de restrição fiscal — avalia o especialista.
Serigati considera que a manutenção na taxa de juros dos financiamentos empresariais pode causar “desconforto”, devido à redução do custo de captação de recursos pelos bancos, consequência da queda da Selic, desde o lançamento do plano anterior.
José Carlos Hausknecht, sócio diretor do MB Agro, acrescenta que, embora a Selic tenha entrado em declínio nesse intervalo, os riscos associados ao crédito aumentaram. Além disso, o analista lembra que houve aumento significativo no volume de financiamento através do Plano Safra no ano passado, então é natural que o crescimento seja mais modesto. Para Hausknecht, a prioridade do governo foi manter os valores no mesmo patamar.
Já Serigati diz que o custo para o produtor pode ser ainda maior na ponta da linha, já que o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), uma espécie de seguro associado ao crédito, deve encarecer neste ano.
— Tivemos queda de safra no ano passado, então a taxa do Proagro também aumentou. Esse crédito pode sair ainda mais caro.
A CNA fez uma proposta ao governo que permitiria abatimento de até três pontos percentuais nos juros para o financiamento empresarial, sendo dois pontos cumulativos de acordo com quantas práticas de sustentabilidade são adotadas pelo produtor que requer o empréstimo. Mas os juros mais baixos ficaram restritos a agricultores familiares.
Emerson Cervi, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que o agronegócio é uma das principais forças políticas da atualidade. Sendo assim, qualquer governo deve produzir um plano de financiamento robusto para essa atividade. Para ele, ampliar recursos para os produtores familiares fortalece o discurso de campanha de Lula.
Ele avalia que aumentar as linhas de crédito para produtores familiares é uma medida alinhada à agenda política do presidente, no sentido de usar recursos do estado para descentralizar a produção agrícola do país.
— Isso, além de garantir a coerência com as propostas do governo, tem a vantagem de equilibrar o acesso aos alimentos no Brasil. Então, é possível acenar para o agronegócio e manter coerência com políticas públicas propostas em campanha. Se o valor (de financiamento) global cresce e se desloca da agricultura familiar, o governo descumpre promessas — diz o cientista político.