A beleza que não se vê

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Quando buscamos o belo em nossas cidades e edificações, a natureza costuma ser uma das respostas mais imediatas. Afinal, fazemos parte de uma sociedade que incorporou as áreas verdes ao seu estilo de vida: nas terapias ao ar livre, no aconchego de nossos lares, nas fachadas das edificações que mais valorizamos. É quase unânime o desejo de nos cercarmos de verde, como se a presença da natureza nas nossas vidas pudesse indicar, de maneira quantitativa, o quão felizes somos. Desta forma, o estilo se torna tendência: lindos jardins tropicais com marantas-charuto e filodendros-ondulados passam a ser objeto de desejo. Jardins verticais e vasos com as plantas mais diferentes. Colocamos algumas espécies nas salas, quartos, escritórios e até nos banheiros.

Como paisagista, sou uma grande entusiasta das “urban jungles” (selva urbana, em tradução livre). Acompanhar de perto o enraizamento deste hábito na nossa sociedade faz parte do trabalho que amo desempenhar. Cerco-me diariamente de inspirações, busco junto aos meus clientes essa beleza que tanto cativa, e continuo defendendo o potencial do contato com a natureza no incremento da saúde e qualidade de vida. Mas aqui quero te relembrar de algo que todos nós sabemos, mas diante de tanto entusiasmo relativo à biofilia, acabamos deixando de lado.

Por um tempo, resumi a botânica à beleza que está diante dos nossos olhos, usando uma abordagem antropológica. Pensava que orquestrar jardins era um jogo de proporções: plantas altas, baixas, largas ou esguias; escolher as cores que iriam compor meus “quadros vivos”, como Claude Monet fazia. Arbustivas, palmeiras ou herbáceas? Escolheria troncos, folhas, flores… em um mundo de possibilidades, eu pensava apenas com os olhos, certa de que ordenar o verde em busca do belo, trazendo os benefícios neurológicos, seria suficiente.

Mas eu queria te lembrar que a natureza tem uma beleza oculta. Propriedade que não se enxerga e, a princípio, nem se sente. Foi com estudo e maturidade que entendi o quão importante é ter consciência das nossas escolhas, por menores que pareçam. A beleza nas relações ecológicas, no papel que cada espécie vegetal desempenha no ecossistema onde está inserida. Entendendo que através da arquitetura da paisagem podemos mitigar os efeitos das mudanças climáticas, regular o microclima dos espaços internos e externos, catalisar o sequestro de CO2 (dióxido de carbono), favorecer a manutenção da biodiversidade, prover alimento para a fauna que garante o equilíbrio do ecossistema e até mesmo afastar espécies invasoras prejudiciais para nossas comunidades, como o Aedes aegypti, por exemplo.

No paisagismo, tudo tem uma razão de ser. Às vezes, a justificativa para a utilização de uma determinada espécie será estética. Por que não? A beleza também é importante. Assim como a justificativa pode ser mais subjetiva, como o despertar de uma memória especial. Pode ser que escolhamos uma espécie pelo seu aroma, ou pelo sabor inigualável de seus frutos. Mas, para mim, é incrível pensar que a cada indivíduo que é plantado, todo o ambiente ao seu redor irá se adaptar, interagir e se desenvolver de uma forma totalmente nova. E aquilo que semeamos hoje, reflete de maneira direta no futuro das nossas edificações, bairros, cidades e planeta. Cabe a nós, profissionais, propor composições harmônicas estética e ecologicamente, compreendendo todos os aspectos do local, a flora e fauna nativas que têm papel fundamental na manutenção da nossa riquíssima biodiversidade. Para isso, nos cabe estudar, sempre, e compartilhar aquilo que sabemos para que juntos, enquanto comunidade, possamos fazer a diferença que queremos ver no mundo.

¹Também chamado de gás carbônico, o CO2 (dióxido de carbono) é um composto químico gasoso com grande influência nos desequilíbrios climáticos do do planeta Terra, emitido principalmente pela queima de combustíveis fósseis e biomassa.

²O Aedes aegypti uma espécie africana, transmissora de arboviroses das quais se destacam a Dengue, Zika e Chikungunya. Estudos indicam que em florestas nativas brasileiras em equilíbrio, o mosquito não se desenvolve por causa da presença de predadores naturais. Essa pesquisa pode ser conferida no endereço digital: <https://brasil.mongabay.com/2023/07/mudancas-climaticas-devem-aumentar-transmissoes-de-zika-e-dengue/>.

Bruna Lago
Bruna Lago é Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), formada com Láurea Acadêmica. Especialista em Arquitetura da Paisagem pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais